Nov 17, 2025

Por O Brasil deu um salto na inclusão financeira nos últimos anos. A digitalização da população, a massificação dos smartphones e a consolidação do Pix transformaram a forma como milhões de pessoas transacionam diariamente. O resultado é positivo: mais agilidade, menos barreiras e um sistema de pagamentos considerado referência mundial em inovação. Mas esse avanço trouxe também um efeito colateral preocupante: a sofisticação das fraudes digitais. Segundo a Febraban, em 2024 as perdas com golpes financeiros somaram R$ 10,1 bilhões, um crescimento de 17% em relação ao ano anterior. Só o Pix foi responsável por R$ 2,7 bilhões em prejuízos, e a tendência é que ataques cada vez mais complexos se tornem rotina. Um novo padrão de fraude tem se consolidado: o criminoso não utiliza mais seu próprio CPF. Hoje existe um mercado ilícito em que CPFs limpos são alugados ou comprados por fraudadores, enquanto pessoas em situação de vulnerabilidade financeira são aliciadas para ceder seus dados em troca de pequenas quantias. Em um país com 75 milhões de inadimplentes, segundo dados do Serasa, esse mercado se torna terreno fértil para ações maliciosas. Além disso, informações pessoais também podem ser obtidas por ataques hackers, alimentando o comércio paralelo de dados. A sofisticação dos golpes não para por aí. Fraudadores usam inteligência artificial para criar perfis falsos que parecem legítimos, dificultando a detecção por sistemas tradicionais. Engenharia social continua sendo uma das principais portas de entrada, com phishing, vishing e ataques via WhatsApp afetando dezenas de milhares de pessoas todos os meses. Esses mecanismos combinam dados roubados com interações convincentes, tornando a fraude invisível para filtros que avaliam apenas CPFs ou histórico cadastral. O problema central é que muitos sistemas antifraude ainda focam apenas em dados estáticos. Se o CPF é válido e sem pendências, a transação é aprovada, mesmo que o aparelho usado já tenha histórico de fraude. Dispositivos comprometidos continuam ativos, burlando barreiras tradicionais, e a baixa integração entre dados cadastrais e inteligência de dispositivos agrava a situação. A falta de cruzamento entre endereço IP, modelo do celular, padrões de uso e localização dificulta a identificação de anomalias, e muitas instituições só percebem o golpe após a transação ser concluída. A resposta a esse cenário exige tecnologia avançada, regulação robusta e colaboração entre setor público e privado. Inteligência artificial e machine learning permitem analisar transações em tempo real, identificando padrões suspeitos, como abertura sequencial de contas pelo mesmo dispositivo. Device fingerprinting associa características únicas de cada aparelho ao seu histórico, mesmo que o CPF usado seja diferente. Modelos de autenticação combinando biometria, senhas e validação de dispositivos, aliados à análise comportamental que observa geolocalização, velocidade de digitação e horários de acesso, aumentam significativamente a segurança. A tecnologia, porém, precisa caminhar junto com a regulação. A Resolução Conjunta nº 6 do Banco Central, que já estimula o compartilhamento de dados sobre fraudes, poderia ser expandida para incluir informações sobre dispositivos suspeitos, criando uma base de inteligência mais completa. Iniciativas como a Aliança Nacional contra Fraudes Financeiras, criada pelo Ministério da Justiça e pela Febraban, devem integrar empresas de tecnologia, fortalecendo o intercâmbio de informações e ampliando a capacidade de reação do sistema financeiro. Boas práticas internacionais, como o FRAML do Reino Unido, que combinam prevenção a fraudes e lavagem de dinheiro, podem servir de referência para aprimorar processos e reduzir vulnerabilidades. O fortalecimento da Lei Geral de Proteção de Dados é outro ponto essencial, não apenas para punir vazamentos, mas também para dificultar a circulação de CPFs e credenciais no mercado paralelo, fechando brechas exploradas por criminosos. Por fim, a conscientização do consumidor é parte vital da estratégia. Conhecer as estratégias dos fraudadores e estar atento a phishing, mensagens falsas e contatos suspeitos em aplicativos de mensagem ajuda a reduzir a exposição. Campanhas de educação financeira que expliquem esses riscos podem limitar significativamente a atuação de fraudadores e fortalecer a proteção individual. As fraudes invisíveis, em que o CPF é limpo mas o celular é sujo, representam um desafio crescente para o sistema financeiro. Superá-las depende da integração de dados cadastrais, inteligência de dispositivos e análise comportamental em tempo real. Só assim será possível reduzir falsos positivos, identificar anomalias com precisão e impedir que criminosos continuem explorando as brechas que ainda existem. Por Danilo Porto, sócio da QI Tech Siga TI Inside no Instagram e tenha acesso a conteúdos exclusivos do mercado.